Publicado Originalmente no Valor Econômico
Base de gerenciamento de risco, IA monitora, indica rotas e até perfil ideal de motorista para cada tipo de transporte
De 2017 até o ano passado, o número de roubos de carga no Brasil caiu 59,6%, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça. O declínio relaciona-se em grande parte à consistente adoção de planos de gerenciamento de risco pelas transportadoras, em especial após a entrada em vigor da Lei nº 15.599 em junho de 2023, que tornou a contratação de seguros obrigatória.
Na esteira dos seguros, floresceu também o mercado de gerenciamento de risco, avaliado em R$ 1,5 bilhão por ano no Brasil, já que as seguradoras condicionam a venda de apólices à contratação desses serviços, que monitoram roubos e acidentes, estes com potencial de prejuízo ainda maior. Em 2024, por exemplo, as seguradoras pagaram às transportadoras R$ 2,44 bilhões em indenizações, dos quais R$ 1,25 bilhão corresponde exclusivamente a acidentes, informa a Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Os sinistros concentram-se nas rodovias, por onde transita 75% do volume da carga movimentada no país. A Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC&Logística) avalia que a tendência de queda de roubos persiste neste ano. A entidade ressalva, porém, que os números podem não refletir exatamente a realidade, uma vez que a definição de carga difere entre os Estados, que abastecem as estatísticas do Sinesp.
Já as mercadorias mais visadas por quadrilhas continuam sendo medicamentos, eletroeletrônicos, bebidas, cigarros e defensivos agrícolas, pelo valor elevado e facilidade de escoamento, de acordo com Pedro Terra, gerente sênior de supply chain da Peers Consulting + Technology.
Nesse cenário complexo, a inteligência artificial (IA) vem desempenhando papel decisivo. Ao coletar, cruzar e analisar o volume imenso de dados gerados pelas transportadoras diariamente, a tecnologia possibilita a identificação do potencial de sinistros. Base de planos de gerenciamento de risco cada vez mais eficientes, a IA aponta rotas, equipamentos, monitoramentos e até motoristas mais apropriados para o transporte de cada tipo de mercadoria.
A nstech, grupo de tecnologia em logística que inclui as três maiores gerenciadoras de risco do país, constata em média 70 ataques em 1,3 milhão de viagens monitoradas por mês e recupera em torno de 74% da carga com base em soluções de monitoramento, segundo Mauricio Ferreira, vice-presidente de inteligência de mercado da companhia. Ele afirma que cerca de 200 empresas atuam hoje em gerenciamento de risco no Brasil, com faturamento em torno de R$ 1,5 bilhão por ano, valor concentrado em 15 delas. Metade do mercado, ele diz, é da nstech.
Para eletroeletrônicos, o plano é ‘megarrobusto’, segundo Ferreira, inclui motorista com histórico desse tipo de viagem, rota com a menor exposição possível a trechos vulneráveis, veículos com rastreamento e dois dispositivos de bloqueamento diferentes, além de ‘iscas’ em parte dos produtos, de modo a torná-los rastreáveis. ‘A qualquer desvio do padrão, atuamos de forma enfática, acionando segurança privada e forças policiais’.

A Braspress, uma das maiores transportadoras do país, que realiza em torno de 25 milhões de coletas e entregas por ano e atua em todo o território nacional, inclui, segundo Luiz Carlos Lopes, diretor de operações da companhia, pontos de apoio ao motorista nos trajetos, para evitar direção sob fadiga, sintoma captado remotamente.
Os veículos contam, entre outros dispositivos, com botão de pânico para o condutor e avisam a central automaticamente ao ingressarem em polígonos de alto potencial de sinistros, delimitados eletronicamente. Até há pouco tempo e durante vários anos, a empresa transportou medicamentos e, segundo o executivo, não registrou nenhum roubo.
A empresa também usa o modal aéreo para reduzir exposição inerente a trajetos muito longos. Segundo Lopes, a rota rodo-fluvial do eixo São Paulo-Belém, por exemplo, diminui de 17 para dois dias úteis, com a introdução de aeronave (o grupo tem duas).
“Agregamos rapidez e reduzimos a exposição nas rodovias e nos rios amazônicos”, afirma.
Como o roubo de carga é fruto do crime organizado, e não de oportunidade, o gerenciamento de risco tem de garantir, de início, a segurança digital das informações sobre cada despacho, lembra ainda Pedro Terra, da Peers. Ele enfatiza que a reforma tributária também vai contribuir para a redução do roubo assim que estiver inteiramente implementada:
“O varejo estará totalmente conectado à Fazenda e a cada mercadoria corresponderá uma nota fiscal, o que tornará muito mais difícil a receptação de mercadorias roubadas”, explica.
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