Por Guilherme Sales, Associate Manager
Originalmente postada na nossa coluna no Money Times
Bitcoin, blockchain e criptomoedas são termos que surgiram no cenário mundial em 2008, quando a publicação online de um whitepaper com pseudônimo forneceu uma visão de uma nova maneira de transferir valor pela Internet.
Na década seguinte, o mercado de criptomoedas passou por todas as fases clássicas de uma tecnologia disruptiva: mercados em grande alta e retrações esmagadoras, períodos de euforia e momentos de desespero, medo e um turbilhão de emoções.
O mercado de criptomoedas tem deixado claro que chegou para ficar. Já adentrando sua segunda década, tem se preparando para novas máximas, atraindo os maiores investidores e instituições financeiras do mundo.
No entanto, os investidores e empresas que buscam adquirir criptomoedas possuem grandes desafios pela frente no que diz respeito a:
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Qualidade das informações, já que o assunto é relativamente novo e não há um histórico confiável
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Conhecimento técnico específico para gestão de portfolios desse tipo de ativo
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Grande adaptação nos processos internos
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Impacto que a volatilidade dos ativos poderia causar nos portfolios dos investidores e empresas, dado que a valorização da moeda varia constantemente
Mas afinal, o que são as criptomoedas?
Essencialmente, as criptomoedas são um meio de troca, que utilizam tecnologias avançadas de blockchain (sistema utilizado para rastrear o envio e recebimento de criptomoedas) e criptografia para garantir a validade das transações.
Esta forma de troca se popularizou em 2017, quando o market cap dos criptoativos teve um aumento expressivo, impulsionado pelo surgimento de novas moedas e valorização muito acima dos patamares de ativos convencionais. Esse rápido aumento atraiu o interesse de muitos, que rapidamente se familiarizaram com o nome “criptomoeda”. Com a popularização da moeda, notou-se uma grande migração dos investimentos tradicionais para o ativo digital.
Recentemente, uma onda de adoção institucional e preocupações inflacionárias impulsionaram os preços de criptomoedas – e seu mercado como um todo – a disparar para novas máximas históricas, embora não sem a sua habitual volatilidade.
A empresa de análise de negócios MicroStrategy, um dos maiores detentores corporativos de Bitcoin, anunciou outro investimento de US $ 1 bilhão em bitcoin no dia 24/02 deste ano. Na semana anterior, a Bloomberg informou que o braço de investimento de US $ 150 bilhões do Morgan Stanley está planejando adicionar bitcoin ao seu portfólio. Além disso, a potência bancária Goldman Sachs está montando uma mesa de negociação de criptomoedas após recuar de um esforço para entrar no mercado depois da queda do Bitcoin em 2018, tornando-o o mais recente player institucional a investir em criptomoedas em meio a um aumento surpreendente em seus valores.
Impactos na Economia
Poucas pessoas pensavam que a criptomoeda algum dia causaria um impacto tão relevante no mundo. Muitos viram isso mais como um hobby obscuro ou um sonho de enriquecer pela valorização do ativo do que uma oportunidade séria de investimento. Hoje, a história é bem diferente.
Notícias sobre Bitcoin e outras criptomoedas, como ethereum e litecoin e até mesmo a recente criptomoeda criada como um meme, a dogecoin, estão por toda parte. Bancos, empresas, investidores e governos já demonstram interesse por esse tipo de investimento. Seja sua intenção enriquecer ou alertar sobre uma potencial bolha financeira, a maioria das pessoas já aceitou que o Bitcoin trará um impacto significativo na economia.
Além ser de uma forma de pagamento, empresas estão utilizando a tecnologia de criptográfia para agregar valor ao seu portfólio de produtos. Um dos casos é a Mastercard que, em parceria com a corretora Gemini, anunciou seu primeiro cartão de crédito com recompensas em cripto moedas.
Outro caso interessante de utilização dessas novas tecnologias é o da Pringles. Em um leilão virtual, a marca lançou 50 unidades de um novo produto digital, a “Crypto Crisp”, sob a forma de NFT (Non-Fungible Tokens). Para aqueles que não estão familiarizados, o NFT é um tipo de token criptográfico que representa algo único, garantindo um certificado de autenticidade no meio digital. Realizado com design por Vasya Kolotusha, o “sabor” de batata é uma obra de arte virtual que começou a ser comercializada no valor de US$ 2,00 e já vale o equivalente a US$ 1.933,89.
Fatores que impactam diretamente a economia
1. Eliminação da necessidade de intermediários nas transações financeiras
Uma das principais características da criptomoeda é que ela não requer um intermediário como a moeda tradicional. Em vez de um banco ou outra instituição central validar as transações, todos os usuários da moeda verificam de forma descentralizada.
Sendo assim, não é difícil compreender a preocupação dos bancos uma vez que a criptomoeda ameaça até mesmo a necessidade de seus serviços. Como não precisam passar por várias mãos, as transações ocorrem muito mais rapidamente. Ainda, surge a preocupação em relação à dificuldade na regulamentação da atividade financeira, o que tem implicações especialmente interessantes no nível internacional.
2. Separação das transações do dólar
O dólar atua como moeda de reserva para a economia global, visto que as principais transações financeiras que ocorrem em todo o mundo têm como base o dólar. Essa é a principal fonte do poder global da América e permitiu aos EUA, junto com outras nações, impor sanções econômicas a outros países.
As transações de criptomoeda, por outro lado, não precisam ter nenhuma conexão com os EUA ou a moeda patrocinada pelo governo. Ela fornece aos atores financeiros outra maneira de participar da economia global e contornar as grandes potências políticas e econômicas.
Um exemplo prático é o da Venezuela que criou sua própria criptomoeda, a “Petro”, que diz ser apoiada pelo suprimento de petróleo do país como forma de contornar as sanções. Outras nações já tentaram táticas semelhantes.
3. Remoção das barreiras de entrada
As criptomoedas também permitiram que os empresários contornassem as rotas tradicionais de levantamento de capital para empreendimentos relacionados à criptografia e blockchain. Em vez de ter de convencer os investidores de risco e os bancos a investir em seu projeto, eles podem contornar a regulamentação e a burocracia por meio de uma oferta inicial de moedas, ou ICO.
Uma ICO é semelhante a uma oferta pública inicial, na qual uma empresa oferece ações de sua empresa pela primeira vez. Em um ICO, no entanto, uma startup vende uma parte de uma criptomoeda para investidores financiarem o projeto
Muitos países começaram a impor restrições às ICOs. Instituições reguladoras começaram a agir, como por exemplo, a Securities Exchange Commission (SEC), que não as regulamenta e não registrou nenhuma ICO na agência. Isso levou a SEC a emitir um alerta sobre os riscos potenciais para os investidores que consideram adquirir ICOs. O fato de essa abordagem de arrecadação de fundos ter recebido tanta atenção indica que ela merece atenção.
4. Complicação das regulamentações.
Como mencionado anteriormente, um desafio potencial relacionado às transações de criptomoedas é que elas são difíceis de regular devido à sua natureza anônima. Em uma operação da Polícia Federal para investigar a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas em São Paulo, além de R$ 20 bilhões apreendidos, foram encontrados também R$ 110 milhões em criptoativos. O apelo da utilização de criptomoedas em atividades criminosas fica evidente pela facilidade de acesso à moeda de qualquer lugar do planeta.
Outra razão pela qual os governos estão preocupados com a criptomoeda é que ela facilita que as pessoas evitem o pagamento de impostos, o que fez com que vários países considerassem regulamentações mais rígidas sobre o mercado de criptomoedas e até mesmo desenvolvessem suas próprias criptomoedas patrocinadas pelo governo.
5. Habilitação de mais transações internacionais.
Cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo não têm uma conta bancária e em muitos países ao redor do mundo as empresas ainda não podem aceitar pagamentos com cartão de crédito. Para as pessoas nesses países tipicamente menos desenvolvidos, a criptomoeda oferece uma maneira de se envolver com a economia global da Internet.
A conexão com a economia da Internet permitiu, em parte, que muitas empresas nos Estados Unidos prosperassem mesmo em tempos de desaceleração econômica. As criptomoedas podem ter um impacto semelhante para pessoas que vivem em países ao redor do mundo com economias fracas.
Como exemplo, pode ser especialmente útil para trabalhadores migrantes que enviam dinheiro para suas famílias enquanto trabalham no exterior, que atualmente pagam taxas em média de 9% para transferir o dinheiro por meio de instituições financeiras internacionais. Se usassem criptomoedas, eles poderiam fazer isso de forma praticamente gratuita.