Ruptura, uma visão inovadora para otimizar o equilíbrio de falta e excesso de estoque

Introdução: O Desafio de equilibrar Ruptura e Estoque 

Encontrar o nível ótimo de estoque que equilibre os eventos de ruptura (falta de material para atender uma demanda) e excedente (momentos em que o nível é muito superior ao pedido) tem sido um dos principais desafios de Supply Chain Planning.

 

Várias empresas enfrentam o desafio de equilibrar estoque e ruptura 

A dificuldade de definir métricas, principalmente financeiras, para encontrar este ponto ótimo é um dos principais desafios. Outra adversidade relevante é explorar políticas de estoque que vão além do empirismo e efetivamente possuam uma fundação científica mínima. Melhores previsões de demanda, sem dúvida, ajudam simultaneamente a reduzir níveis de estoque e ruptura, contudo a solicitação tem sido cada vez mais dinâmica e influenciada por diversos fatores. Manter uma base de dados destes fatores para poder processar modelos avançados de previsão de demanda também é um desafio. Por fim, a responsividade (capacidade de responder rapidamente a eventos externos) é uma estratégia cada vez mais utilizada pelas empresas para evitar o “efeito chicote” (demora para ter os níveis de estoque adequados para a demanda presente). Esta estratégia, contudo, depende de estabelecer acordos com parceiros na cadeia e avaliar o ponto ideal de responsividade, que não onere, por exemplo, custos de transporte e processamento de pedidos. 

Com a pandemia, todos os desafios acima se intensificaram por uma série de fatores, tornando ainda maior o efeito chicote. 

A pandemia acelerou os desafios de supply chain, com consumidores mais informados, nichos mais específicos, ciclo de vida dos produtos mais curtos, expectativa de entregas em menor prazo, necessidade de maior responsividade e flexibilidade, cadeias de suprimentos mais sensíveis e aumento do custo de capital e de armazenagem. Como consequência, ampliou-se o efeito chicote da cadeia.  

Tanto o Estoque quanto a Ruptura possuem efeitos significativos no resultado das empresas: 

No Brasil, na indústria e no varejo, os custos de estoque e ruptura apresentam valores similares: 

Já no caso de empresas globais o custo da ruptura tende a ser maior, muito provavelmente pela maior lucratividade das empresas e menor nível de inflação (custo de oportunidade). 

(*) Fonte: DRE e BP de empresas de capital aberto, Relatório de Perdas e Ruptura ABRAPPE 
(**) Premissas principais: Custo de Ruptura = 1x Margem Bruta; Custo fixo de armazenagem = 5% x Valor do Estoque; Perdas = 1% Valor do Estoque 

 

Quatro Alavancas para equilibrar Ruptura e Estoque 

Além de ilustrar o contexto da gestão de estoque e o impacto financeiro nos resultados das empresas, este artigo tem uma proposição prática de elencar quatro alavancas principais para aumentar o nível de maturidade na gestão de estoque e equilibrar de forma mais otimizada o excesso e a falta. 

 

Alavanca 1: Financeirização do Custo Total: 

Tipicamente as empresas dos mais diversos segmentos medem estoque e ruptura da seguinte maneira:  

Estoque à Cobertura de Estoque (dias): 360/(Custo das mercadorias vendidas/Estoque Médio) 

Ruptura à  % de Ruptura: Quantidade de dias com estoque zerado no ano/360 

Porém, existem variações em que a medida de cobertura de Estoque é em “dias” e de Ruptura é em % de ocorrências.  

Para buscar o equilíbrio (ponto ótimo) entre ruptura e estoque é importante calcular as duas grandezas em uma mesma base comparativa. A financeirização destas medidas então se faz necessária. 

Como primeiro passo sugere-se as seguintes medidas de financeirização:

 

O Fator de impacto de ruptura pode variar de acordo com a empresa e o produto. 

(*) Fonte: https://www.lokad.com/accuracy-gains-inventory/ 

Desta maneira é possível dar o primeiro passo para otimização do estoque através da comparação de grandezas com financeirização. 

Exemplo de otimização do estoque sem e com financeirização 

 

Alavanca 2: Estoque de Segurança Científico 

A segunda alavanca consiste em calcular o estoque de segurança de maneira científica. 

Empresas pouco maduras definem o valor do estoque de segurança de maneira empírica.
A recomendação deste artigo é que o cálculo seja feito pelo menos no nível básico de embasamento científico. 

Embasamento científico básico pode ser feito por empresas pouco maduras em termos de gestão de estoque 

Algumas empresas já realizam o dimensionamento do estoque de segurança de um modo empírico intermediário. Neste caso, recomendamos dar um passo adicional e definir o Nível de Serviço que otimize o custo total de estoque e ruptura (conforme mencionamos na alavanca anterior). O melhor caminho para isto é uma composição de simulação com algoritmos de otimização. Como a função não é linear, isto requer alguns cuidados adicionais no processo, por exemplo, realizar otimização não linear por algoritmos genéticos ou similares. 

Empresas mais maduras em gestão de estoque utilizam o modo empírico intermediário, mas o embasamento científico avençado é o ideal para um nível ótimo de serviço e redução de custo.  

Esta alavanca tipicamente funciona no modo de trade-off. Aumentando custo de ruptura e diminuindo estoque, e vice-versa. Ou seja, não há redução simultânea dos dois custos. 

 

Alavanca 3: Métodos avançados de previsão de demanda 

Um artigo inteiro poderia ser escrito para falar sobre o tema de previsão de demanda. Nesta publicação iremos simplificar e nos limitar ao aspecto prático. Quanto melhor o algoritmo (e também o processo) de previsão de demanda, menor a necessidade de um estoque de segurança. Normalmente o principal componente que um estoque de segurança busca mitigar, é a variação da demanda. A variação do lead-time, tipicamente não é significativa para a maioria das indústrias e varejos, com exceção de processos de importação e exportação onde os lead-times são significativamente maiores. 

Podemos citar dois grandes grupos de algoritmos de previsão de demanda: 

Modelos estatísticos tradicionais: normalmente olham o passado e, em alguns casos, podem trabalhar com alguns “eventos” (fatos que influenciam a demanda). 

Modelos de machine learning: consideram histórico, mas também observam eventos de uma forma mais robusta e “relações não óbvias” das próprias séries temporais e dos eventos. 

Existem algumas famílias de algoritmos mais utilizados por empresas maduras, seja estatísticos tradicionais ou de machine learning. 

Diferença entre os modelos tradicionais e os modelos com machine learning 

Diferentemente da anterior, esta alavanca pode reduzir ao mesmo tempo o custo de estoque e o de ruptura. Contudo, a redução tende a ter impactos menores do que a otimização do trade-off da alavanca anterior. 

 

Alavanca 4: Otimização da Frequência de Reposição 

A última alavanca tende a ser a mais poderosa, contudo por envolver parceiros de negócio, a gestão da mudança para sua aplicação é um desafio. 

De maneira prática, o objetivo desta alavanca é desafiar os parceiros de negócio a aumentarem a frequência de reposição, o que tende a reduzir simultaneamente o estoque de ciclo (e por consequência de segurança) e aumentar a previsibilidade da demanda, uma vez que o horizonte reduz. O principal contraponto desta alavanca tende a ser o aumento do custo de frete (por conta de eventualmente usar caminhões menores e com frete mais caro), mas em alguns casos o custo de processamento do pedido também pode ser relevante.  

Resultados de maior frequência de reposição do estoque 

 

Consideração especial para o varejo: Estoque de Apresentação 

Em muitos varejos existe o que chamamos de estoque de apresentação, de exposição ou de gôndola. Estudos específicos definem uma quantidade de exposição que “aumente o desejo de compra” daquele produto, sem onerar o sortimento e os custos operacionais. 

Nestes casos uma adaptação precisa ser feita na alavanca dois. Isto porque, em muitos casos, o estoque de apresentação tende a ser maior que o estoque de segurança e passa a substituí-lo nestes casos: 

Quando o Estoque de Apresentação é maior que o Estoque de Segurança ele faz o papel do Estoque de Segurança 

 

Considerações finais 

Otimizar estoque é um dos principais desafios de Supply Chain Planning. Nos últimos anos essa dificuldade tem se tornado cada vez maior. Muitas empresas ainda adotam o empirismo como estratégia principal de definições de políticas de estoque, sendo que poucas delas apresentam um nível relevante de embasamento científico e robustez. As quatro alavancas apresentadas neste artigo não são as únicas, mas talvez sejam algumas das mais práticas que podem ser adotadas na jornada da otimização. Como última recomendação aqui fica o princípio do MVP (mínimo produto viável). Comece testando uma das alavancas apenas. Aquela que para você leitor seja a mais simples e/ou que gere o maior benefício para sua empresa. E não faça isso em todos os produtos. Comece com uma amostra pequena, teste os resultados. Os resultados nesta amostra não trarão grandes benefícios à sua empresa, mas também não trarão grandes riscos, contudo serão fundamentais para engajar as pessoas para escalar a iniciativa. 

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Fontes bibliográficas deste artigo: 

DREs e BPs CVM 

Lokad 

Pesquisa ABRAPPE de Perdas e Ruptura no Varejo Brasileiro, ABRAPPE 

Peers Consulting & Technology – Knowledge base 

 

Por Luciano Guimarães, Senior Associate Manager e especialista de Supply Chain da Peers Consulting & Technology