Em junho deste ano, o projeto de lei que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034) foi assinado e enviado ao congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O texto entregue prevê 18 objetivos, dentre eles alguns que permeiam a temática da inclusão e da redução de desigualdades.
A proposta de um novo PNE que contemple esta questão tão notória é essencial à construção de metas e estratégias coerentes com a realidade dos estudantes brasileiros, principalmente no que tange às dificuldades de acesso e permanência dos jovens negros.
A evasão escolar no Brasil, fenômeno complexo por si só, ganha contornos ainda mais críticos quando examinada sob a ótica da diversidade racial. Segundo os dados do Censo Escolar (INEP) para 2022, a taxa de abandono no ensino médio – que aponta a proporção de alunos que deixaram de frequentar esta etapa após a data de referência da pesquisa – para alunos pretos ou pardos foi 77% maior comparada à de brancos. Esta evidência destaca as discrepâncias na vida escolar dos jovens pretos e pardos, erguendo a discussão sobre os obstáculos da infância negra e seus impactos nos indicadores de evasão deste grupo.
Retratos da infância negra
A análise dos retratos da trajetória negra demonstra como os desafios estão presentes desde o início da jornada escolar. Embora o Brasil seja um país pluricultural e composto majoritariamente por negros (55,5% da população se identifica como preta ou parda, conforme o Censo 2022), a discriminação racial é um problema profundamente enraizado na organização da sociedade, refletindo o racismo estrutural que afeta as oportunidades e o bem-estar dos grupos marginalizados.
As crianças são as primeiras a vivenciar os efeitos deste fenômeno, já que o estresse e os traumas concebidos pelas práticas discriminatórias prejudicam diversas dimensões – desde restrições para realizar sua capacidade intelectual, habilidades e conhecimentos, até a rejeição da própria imagem e impactos na autoestima. Essas adversidades frequentemente têm início antes do ingresso no ambiente escolar, onde as dinâmicas de discriminação podem se tornar ainda mais evidentes e prejudiciais quando não há políticas efetivas para combater tal cenário.
Nesse contexto, o desenvolvimento infantil se torna ainda mais desafiador quando atravessado pelas limitações de renda: de acordo com o IBGE, em 2021, considerando-se a linha de pobreza monetária proposta pelo Banco Mundial, a proporção de pessoas pobres no país era de 18,6% entre os brancos e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e entre os pardos (38,4%). Tal condição dificulta a vida escolar da criança, pelos seus desdobramentos em dificuldades de acesso à moradia, serviços de saúde, transporte, estabilidade familiar e recursos e expectativas educacionais.
Reflexos do contexto: os dados de evasão no ensino médio
Enquanto as vivências negativas e as estatísticas socioeconômicas trazem o reflexo do racismo estrutural, forma-se um terreno cada vez mais propenso à desconexão com o ambiente educacional e as taxas de evasão em etapas mais avançadas: o ensino médio se apresenta como ponto crítico, quando a evasão escolar dos estudantes negros se intensifica. De acordo com informações do módulo anual sobre educação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, em 2023, das nove milhões de pessoas de 14 a 29 anos que não completaram o ensino médio, 71,6% eram pretas e pardas. Para fins de comparação, entre os brancos a porcentagem foi de 27,4%.
Ou seja, a bagagem dos desafios da infância negra chega ao ápice nesta fase final da educação básica, quando as lacunas educacionais se ampliam diante da pressão de expectativas sociais e acadêmicas que não estão alinhadas com as realidades destes jovens minoritários. De acordo com o levantamento da PNAD, o principal motivo do abandono é a necessidade de trabalhar, fator que apresentou um aumento de 1,5% comparado ao ano anterior.
Para além da evasão: as dificuldades no desempenho
Adicionalmente às dificuldades de permanência nas escolas e limitação de renda, aqueles que conseguem permanecer na escola também são afetados. Há discrepâncias em termos de qualidade de aprendizado, conforme o que se identifica no estudo do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) a pedido da Fundação Lemann. A análise dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) revela que, mesmo considerando escolas de alto nível socioeconômico, a discrepância persiste, com 34,4% dos alunos brancos atingindo aprendizado adequado em Matemática, contra apenas 17,3% dos alunos negros — uma diferença de 98,8%. Em contextos de baixo nível socioeconômico, a situação é similar, com 15,8% dos brancos contra 8% dos negros atingindo os padrões desejados, revelando uma diferença quase igual de 98%.
Tal distinção de desempenho também é observada na análise dos dados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): de acordo com o Núcleo de Estudos Raciais do Insper, as diferenças de desempenho entre negros e brancos se ampliou durante 2010 e 2019. Isso não somente reflete a desigualdade no ensino oferecido na educação básica, mas também influencia diretamente o acesso ao ensino superior e, assim, retroalimenta o racismo estrutural em discussão, já que perpetua um ciclo de desvantagens econômicas e sociais.
O papel do PNE na conjuntura de evasão escolar e diversidade racial
Estes dados ressaltam as desigualdades raciais em termos de acesso e qualidade da educação, destacando a urgência de políticas públicas que amparem tais discrepâncias. Torna-se crucial que as ações de combate à evasão reconheçam estas dificuldades e amparem as barreiras tanto sutis quanto explícitas que marcam as trajetórias educacionais.
Diante de evidências concretas, percebe-se a relevância de inserir o combate à desigualdade racial na educação como meta explícita do próximo Plano Nacional de Educação (PNE). Construir objetivos específicos e mensuráveis para mitigar as distinções de evasão e desempenho entre os estudantes de diferentes etnias é premissa importante para que as políticas e recursos sejam direcionados de modo eficaz às necessidades dos estudantes negros. Tal medida não somente alinha os esforços educacionais à realidade da conjuntura brasileira, como também cria um compromisso governamental para que todos os alunos – independentemente de sua cor ou raça – tenham acesso a uma educação de qualidade.